"Everybody dies, sooner or later. Don't worry about your death. Worry about your life. Take charge of your life for as long as it lasts." ―Petyr Baelish to Robin Arryn
Joseran
Mariac estava cansado. A fuga fora longa e
fatigante, ele já não era tão jovem mas não tinha esquecido todos os truques.
As janelas de seu quarto davam para a viela e para telhados, com uma vista do
Água Negra por cima deles. Observou seu guia partir e caminhar a passos largos pelas
ruas movimentadas até se perder na multidão, e depois decidiu descansar. O
colchão de palha era adequado, então não teve dificuldade em adormecer.
Acordou com um barulho vindo da
porta.
Sentou-se de repente. Da janela viam-se os telhados de Porto Real, vermelhos à luz do sol poente. Dormira durante todo o dia, mais tempo do que planejara. Um punho voltou a martelar na porta e uma voz gritou: – Abra, em nome do rei.
– Um momento – ele gritou. Envolveu-se no manto e conferiu o punhal preso em seu antebraço. Verificou a rota de fuga e escondeu o punhal de sua bota antes de destrancar a pesada porta de madeira.
Os homens que entraram no quarto usavam a cota de malha negra e o manto dourado da Patrulha da Cidade. Seu líder sorriu ao ver o pequeno homem com os cabelos desgrenhados e disse: – Espero não tê-lo acordado, meu senhor. Temos ordens de escoltá-lo.
– Sob autoridade de quem? – ele perguntou.
– Lorde Baelish – disse ele. – Ele nos disse para levá-lo, e evitar que seja maltratado.
Joseran assentiu. Não estava planejando revelar sua presença matando alguns patrulheiros. Ainda tinha algumas contas a acertar.
– Pode esperar lá fora enquanto me arrumo.
Lavou as mãos sem dedos na bacia e enrolou-as em linho limpo. Sentiu os músculos da mão, grossos e calejados enquanto atava com mais cuidado o sistema de punhais no antebraço e prendia uma pesada cota de malha em volta do tórax. Como o velho Petyr Baelish descobrira que ele estava na cidade? Talvez um de seus velhos companheiros de bebida da cidade vizinha tivesse aberto a boca. Infelizmente cerveja ruim transformava amigos leais em verdadeiros cães sem honra.
Tinham lhe trazido um cavalo. Os candeeiros estavam sendo acesos ao longo das ruas por que caminhavam e Joseran sentiu os olhos da cidade nele enquanto avançava, rodeado pelos guardas de manto dourado.
Por fim, o guarda puxou as rédeas em frente a um edifício de madeira que ameaçava ruir, com três andares e janelas que brilhavam com a luz das lâmpadas no lusco-fusco que se aprofundava. Os sons de música e risos grosseiros abriam caminho até o exterior e flutuavam por sobre a água. Ao lado da porta, uma ornamentada candeia de azeite oscilava na ponta de uma corrente pesada, com um globo de cristal de chumbo vermelho.
Joseran desmontou e tentou fingir aborrecimento.
– Um bordel? – disse, e agarrou o guarda pelo ombro, obrigando-o a se virar. – Você me trouxe por todo este caminho até esse bordel de segunda classe? E atirou o corpo do guarda contra uma parede e enquanto ele estava caído, encostou a ponta do punhal preso na bota em sua garganta, sob a pequena barbicha pontiaguda.
– Senhor Joseran, não faça isso
– suplicou uma voz. – Os guardas estão cumprindo apenas sua missão – ouviu-se
passos vindo naquela direção.
Joseran rodopiou, com os dois punhais
deslizando de seus antebraços, enquanto um velho homem corria para eles.
– Vocês pretendem me arrastar
até esse pardieiro de cerveja ruim e mulheres feias apenas visando me torturar
– começou Joseran a dizer.
O velho homem negou com a
cabeça.
– Meu Lord Baelish o espera lá
em cima.
Joseran sentiu-se um pouco mais
aliviado.
– O Mindinho está mesmo aqui? – com
um breve movimento dos braços, embainhou os punhais.
– Sim, ele está. – O velho
respondeu. – Siga-me, e tente parecer um pouco menos assassino. E fique a
vontade para ser totalmente devasso. Talvez até mesmo você possa acariciar um
peito ou outro, só de passagem.
Entraram por uma sala de estar
cheia, onde uma mulher gorda cantava canções obscenas enquanto bonitas mulheres
vestidas com camisas de linho e panos de seda colorida se encostavam nos
amantes e eram embaladas em seus colos. Ninguém prestou a menor atenção em Joseran.
O velho o levou até o terceiro andar por um corredor e através de uma porta.
Lá dentro, Mindinho o esperava.
Ele estava sozinho na sala,
sentado a uma pesada mesa de madeira, com uma candeia de azeite a seu lado
enquanto escrevia. Quando entrou no aposento, pousou a pena.
– Ah! – os olhos
cinza-esverdeados de Mindinho cintilaram de divertimento. – Então parece que
meu velho amigo de jogos e bebidas finalmente conseguiu escapar da Patrulha da
Noite para então me fazer uma visita. Pela última vez, se me lembro bem, você
jazia morto no fundo de um calabouço.
– Mindinho – disse em voz baixa.
- Por que motivo fui trazido aqui dessa maneira?
Ele se levantou e pegou uma
barrica de cerveja no fundo da sala e num gesto calmo encheu duas canecas até a
espuma escorrer.
Joseran tentou inutilmente ignorar
o odor almíscar que encheu a sala.
– Não estou habituado a ser convocado
por guardas de uma maneira tão cortez – disse com voz gelada. – Nos últimos
anos talvez tenha até me esquecido o que significa cortesia e amizade.
– Eu o aborreci, velho amigo.
Essa nunca foi minha intenção – parecia ao mesmo tempo arrependido e jocoso. A
expressão trouxe a Joseran vivas memórias. Mindinho sempre fora um manipulador,
um homem que sempre jogava com o arrependimento e com a mentira; era um verdadeiro
dom. Ele continuava sendo pequeno, esbelto e rápido, com as feições
inteligentes e manipuladoras e os mesmos olhos risonhos que recordava de
anos atrás.
– Como soube que eu estava na
cidade? – ele perguntou.
– Lorde Varys sabe tudo – disse Mindinho
com um sorriso malicioso. – Ele vem me informando de sua fuga e assassinatos
desde que deixou a sombra da Muralha e começou o seu caminho de volta enquanto
bebia e assassinava seus velhos amigos dos tempos de bandidagem.
Joseran ignorou a familiaridade
do homem. Havia perguntas mais importantes.
– Então foi o maldito Aranha que
me encontrou.
Mindinho encolheu-se.
– Não deve chamá-lo assim. Ele é
muito sensível. Imagino que por ser um eunuco. Mas como pode notar nada
acontece sem que os informantes de Varys fiquem sabendo. E foi um desses passarinhos
que acabou presenciando sua luta em Winterfell.
Felizmente, eu já havia deixado claro a Varys que qualquer informação sobre
você deveria ser apresentada a mim primeiro.
– Que jogo está jogando,
Mindinho? Eu não vim para essa cidade por sua causa. Pelo contrário, apesar de
perigoso você sempre foi um companheiro de bebidas decente. - E sorveu um pouco
da cerveja grossa que estava na caneca. - E me parece que sua escolha ainda
continua adequada!
– Ah! – os olhos
cinza-esverdeados de Mindinho cintilaram de divertimento. – Então parece que
alguém conseguiu arranhar o seu estranho senso de honra.
– Só existe um alvo que tenho de
abater e será com muito prazer que eu vou aguardar seu retorno a Porto Real – ergueu
o braço e com uma torção hábil de pulso liberou a mola que prendia o punhal
esquerdo, com um click o punhal atingiu a porta e enterrou-se profundamente na
madeira de carvalho, estremecendo. – E espero que você não fique no caminho de
minha vingança.
– Não o chamei aqui para
atrapalhar sua vingança. Não faz sentido para mim ficar no caminho de alguém
tão habilidoso. Só gostaria de saber o nome de seu alvo antes de propor um
negócio.
– O Duende – disse Joseran
enquanto Mindinho observava o rosto dele. – Tyrion Lannister.
Sorveu rapidamente o restante da
caneca e se levantou buscando reaver o punhal.
O Mindinho o olhava, silencioso,
e Joseran se perguntava se deveria ter aceito o convite. Não tinha nenhum gosto
por intrigas, mas compreendia que para um homem como Mindinho elas eram
naturais como o ar que respirava.
– Você quer alguma coisa comigo.
– Joseran observou enquanto retirava o punhal da porta com um pouco de
dificuldade.
– Você é um homem difícil de
enganar, Joseran Mariac. – disse Mindinho com um
sorriso afetado. – Foi a cerveja que me denunciou, ou terá sido o caminho que
vocês fez até meu pequeno estabelecimento?
Joseran estudou por um momento a
face de Mindinho, e depois se sentou devagar pensando em como seria fácil
cortar sua garganta e beber o resto da cerveja ao mesmo tempo.
– Você está ficando velho, Joseran.
Em outros tempos você não seria encontrado com tanta facilidade. E você quase
não conseguiu retirar seu punhal da porta. Mas isso não importa, pois eu tenho
uma ótima proposta para você.
Mindinho se levantou separando
alguns dos papéis de cima da mesa e entregou para Joseran. Muitos deles traziam
o selo real. O último deles era um
indulto do próprio rei em seu nome.
– O que é isso? – sussurrou Joseran,
assombrado.
– Precisamente o que parece –
disse Mindinho, deixando-se cair numa cadeira perto da janela. – Um ato de
clemência do Rei extinguindo todas as condenações impostas em seu nome durante
o tempo em que estiver cumprindo seu dever – ele sorriu. – Por acaso, sou dono do
estabelecimento específico aonde você foi designado, e portanto, foi fácil
fazer os arranjos necessários. No entanto, isso significa também que sua
vingança contra do anão dos Lannisters deverá esperar um pouco. Só o tempo
necessário para você cumprir sua missão aqui em Porto Real.
– Eu te disse que nada ficaria
no caminho de minha vingança. Por quê você imagina que uma carta de perdão
seria suficiente? –Então sentiu seus braços ficarem duros e estranhos, e as
cicatrizes em suas palmas adquirirem um vermelho cru enquanto uma forte rigidez
se espalhava pelo corpo.
– A carta não é para você. Elas
são para que os guardas da cidade não fiquem atrás de você – disse Mindinho
levantando-se.
– Você me envenenou – sussurou Joseran
com a voz pastosa.
Os olhos do mindinho abriram-se
de súbito enquanto Joseran agitava-se desconfortavelmente no assento sem
conseguir mover seu braços e pernas.
– Dizem que todos os homens
carregam o homicídio no coração, mas mesmo assim o envenenador merece menos que
desprezo. Eu não concordo com isso quando o veneno serve a seus propósitos – Mindinho
caiu então em silêncio por um momento, pensando. – O que estou sugerindo é que
aceite trabalhar pra mim, matando em silêncio os meus oponentes. E por favor não
penso que quero te matar agora. Qualquer
ignorante conhece os venenos comuns. O que eu te dei foi um composto
criado pelos Targaryen que paralisa e mata apenas caso você não tome o antídoto
correto de tempos em tempos.
– Tenho ouvido dizer que veneno
é uma arma de mulheres e covardes… – Joseran limpou a garganta e cuspiu um
espesso globo de muco na mesa. - Eu aceito seus termos contanto eu ainda possa
matar o duende depois que eu eliminar os seus principais alvos.
Mindinho maneou a cabeça e sorriu.
– Um brinde a isso então – falou
alto enquanto enchia novamente a caneca de cerveja e colocava um pó claro em
cima de um dos copos – Que suas lâminas trabalhem para mim até o momento que
seja interessante eliminar Tyrion Lannister.
Então Mindinho virou um pouco do
copo na boca aberta de Joseran.
– Qual será meu cargo? Tem algo
a ver com esse lugar que me trouxe? - Disse enquanto ao mesmo tempo sentia seus
braços e pernas mais leves.
– Precisamente o que parece –
disse Mindinho, deixando-se cair novamente na cadeira perto da janela. – Você
vai receber um novo nome e ficará tomando conta deste bordel. Consegue imaginar
um lugar onde seria mais fácil atrair meus futuros alvos? – ele sorriu.
– Mas quem você planeja matar?
– Deixe-me contar tudo. Será
mais rápido assim. Escute.
E ele escutou-o contar-lhe tudo,
das intrigas entre as famílias às brigas entre os guardas. Especialmente da busca de Eddard
Stark por sua esposa e da tentativa de assassinato do filho deles.
Dolorosamente, Joseran forçou os
pensamentos e conseguiu movimentar os braços enquanto sentia
novamente o peso de seus punhais.
– E quando começo?
Mindinho
soltou uma gargalhada e olhou pra ele friamente.
– Agora mesmo. Troque de roupa e
assuma sua nova função. Desça, conheça seus empregados, apalpe as garotas e mate todos
os alvos que forem encomendados. Ah! E não se esqueça de beber a garrafa
especial que eu te mandar toda semana, senão seus músculos irão travar de novo
e em algumas horas você deixará de respirar.
O
assassino soltou uma gargalhada e olhou pra ele friamente.
– Como vou saber que essa
história de veneno já não foi resolvida e que tudo o que você me propôs não
passa apenas de mais um truque seu?
– Como sempre digo. Sempre
mantenha seus inimigos confusos. Se eles nunca tem certeza de quem você é ou o
que você quer, eles não podem saber o que você é como fazer a seguir. Assim, a
melhor maneira de confundi-los é fazer movimentos que não têm nenhum propósito,
ou mesmo parecem trabalhar contra você. Pense nisso enquanto faz o seu trabalho
de forma silenciosa – disse Mindinho
levantando-se para sair.
- E lembre-se daquilo que você me
disse a muito tempo atrás. Não se preocupe com a sua morte. Preocupe-se com sua
vida. Assuma o controle de sua vida durante o tempo que têm e cumpra seu
contrato. Sua vingança será alcançada juntamente com a minha.
E então ele saiu, deixando o
novo dono do estabelecimento perdido em pensamentos que envolviam escolher boas
cervejas, conhecer novas mulheres e por fim, cometer alguns assassinatos.
...
Esse conto é um fanfic, um conto não oficial dedicado à série de livros de George R. R. Martin: A song of Ice and Fire©, As Crônicas de Gelo e Fogo© e a série Game of Thrones© da HBO©. Imagens do Wiki of Ice and Fire.
Bebendo com o inimigo. by http://escribasonolento.blogspot.com.br/2014/06/bebendo-com-o-inimigo.html is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License.
Muito bom...astuto! Possível de acontecer com Mindinho mesmo. Pra mim ele é o personagem mais terrível de GoT. Não conhecíamos esse seu talento para ficação desse tipo! Curtimos mesmo! :-)
ResponderExcluir(Ju e Dominic)